Esta série é foi escrita pelo psiquiatra Fernando César, editor dos blogs FTudo e Minha Padaria, para iniciantes na Bolsa de Valores.
Leia também
- Série Crise de 2008 (parte 2): Crise ou Crash de 2008?
- Série Crise de 2008 (parte 3): e agora? Quais as Perspectivas?
- Série Crise de 2008 (parte 4): qual o pior cenário possível?
- Série Crise de 2008 (parte 5): quanto precisamos cair para admitir um Crash? Lembre-se de 1932
Tem-se evitado, ainda, o uso do termo “crash” para a atual crise mundial. Talvez não queiramos acreditar que fomos incompetentes o suficiente para impedir a repetição de uma queda, a de 1929, que, vista com o passar dos anos, parecia previsível, evitável, contornável. Tantos livros foram escritos, tantas análises foram feitas… e cá estamos nós, novamente, cavando rumo ao fundo do poço.
O Crash de 1929
Voltemos à história, e comparemos. Então, decidamos se estamos no meio do “Crash de 2008” ou não.
Muitos pensam que a queda da Bolsa de Nova Iorque aconteceu em apenas um dia, em 1929. Não, não foi assim. Tudo começa na chamada “Quinta-feira Negra”, 24 de outubro. Mas não acaba aí.
Contudo, antes voltemos aos tempos que antecederam a Quinta Negra. Como em toda grande queda, anteriormente houve um período de euforia. Aquela fase em que até pessoas comuns estão começando a comprar papéis. Nos 5 anos anteriores, os valores das ações haviam quintuplicado, em média. A I Guerra Mundial (1914 – 1919) havia colocado os EUA em liderança econômica frente à Europa destruída. A prosperidade pós-guerra parecia não ter fim.
Havia sinais claros, entretanto, que um colapso se aproximava. Parece ser intrínseco ao capitalismo a retração após um período de bonança: não há como se crescer eternamente. Em termos de bolsa, há um momento chave: se todos estão comprados, quem irá comprar agora?!
No dia 3 de setembro, a DJIA (Dow Jones Industrial Average) atingiu um recorde de 381,17 pontos. Nos poucos dias que antecederam a Quinta-feira Negra, grande instabilidade na bolsa: altos volumes de negociação, quedas inesperadas, recuperações súbitas. Em um mês, queda de 17%, que foi seguida por uma recuperação parcial em uma semana.
O temor começa a pairar sobre quem tem papéis nas mãos. A bolha irá estourar? E todos resolvem vender. No dia 24, houve um recorde de negociações. A bolsa despenca. Na sexta-feira, um plano de emergência para restituir a calma: a compra de ações por um preço bem acima do mercado (tática que havia funcionado em 1907). O índice sobe. Mas a tranqüilidade não duraria mais que um fim-de-semana.
Na “Segunda-feira Negra”, dia 28 de outubro, o movimento de desvencilhar-se dos papéis continua. O índice cai mais 13%. No dia-seguinte, a “Terça-feira Negra”, quem ainda não tinha vendido ou quem havia comprado no dia anterior resolve, finalmente, se livrar da bomba. Um novo recorde de negociações é estabelecido. Grandes investidores, como a família Rockefeller, compraram muitos papéis este dia, tentando passar confiança ao mercado. A queda este dia foi de 12%.
Naqueles dois dias, o valor de mercado das empresas caiu 30 bilhões. Mais do que tudo que o país havia gastado na Guerra. Dez vezes mais que o orçamento anual do governo americano, àquela época.
Nos dias seguintes, especuladores resolveram se aproveitar de preços extremamente baixos e compraram. O índice se recuperou um pouco. Mas estes logo fizeram o lucro, e o índice continuou um caminho de longa queda. Em 13 de novembro, fechou a 198,6 – o menor índice daquele ano. Uma perda de quase 48% em relação àquele pico do início de setembro.
Preços tão baixos, hora de voltar a comprar. Em abril de 1930, o índice chegou a 294,0. Isto é, um eventual investidor que houvesse comprado em 13 de novembro e vendido aí, teria obtido cerca de 50% de lucro. Foi o canto do cisne da bolsa americana. A recessão não ligava muito mais para estes números, ela sorrateiramente tomava conta da economia. Pouco a pouco, o índice foi minguando. Sem grandes quedas abruptas. Sem pânico, sem “crash”. Lentamente, minguando, “deprimindo”. Em 1932, no dia 8 de julho, o fundo do poço foi encontrado: Dow Jones fechou a 41,22. Uma queda de 89% em relação ao pico de setembro de 1929. Ou seja, o valor dos papéis foi reduzido a 11% do valor de pico.
Milhares empobreceram, muitos suicidaram. Muitos anos se passariam para que a economia americana recuperasse e, com ela, voltasse a euforia pelas bolsas.
A Grande Depressão não começou com o Crash. Ele foi reflexo do pavor dos investidores ao perceberem a chegada da Depressão. Mas o Crash, sendo tão mais visível que o lento colapso da economia, acorda todos para a Depressão e faz com que esta se aprofunde. O fundo do poço ainda não era em 1929. O Crash era só o prenúncio da Depressão.
Quando se fala em Grande Depressão, talvez a palavra “Grande” seja pequena para dimensionar o tamanho da crise. Os níveis da Dow Jones de 1929 só foram recuperados em 1954. Isto é, 25 anos depois (e, diga-se de passagem, com uma Guerra Mundial para alavancar a economia americana)!